domingo, 26 de setembro de 2010

Escrever precisa ser um ato destituído de vontade.

Escrever, meditei, precisa ser um ato destituído de vontade. A palavra, como as correntes oceânicas profundas, precisam subir à superfície por seu próprio impulso. A criança não tem necessidade de escrever, é inocente. O homem escreve para livrar-se do veneno que acumula devido à falsidade do seu modo de vida. Está tentando recapturar sua inocência, mas ainda asssim tudo que consegue fazer (escrevendo) é inocular o mundo com o vírus de sua desilusão. Ninguém escreveria uma palavra sequer se tivesse a coragem de viver aquilo que acredita. Sua inspiração é desviada na fonte. Se é um mundo de verdade, de beleza e de mágica que deseja criar, por que interpõe milhões de palavras enter ele e a realidade desse mundo? Por que retarda ação? - a menos que, a exemplo dos outros homens, o que de fato deseje seja o poder, a fama, o sucesso.
 
MILLER, Henry. Sexus. Tradução de Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letas, 2004. p. 23-24

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Dionísio no Bar

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O álcool libera. Há no etilismo uma busca por esta liberalidade. Ao ser alcançada, rompe-se com a ordem. Suspende-se a norma. E essa suspensão é, sobretudo, imanente. Ou seja, ela se dá de dentro para fora do sujeito alcoolizado. Processa-se, através do álcool, o rompimento das amarras existenciais. É aí então que o ébrio se mostra como sujeito de caráter singular, único. Dá-se, assim, um cair sucessivo de suas personas.

O que resta desse desmascaramento engendrado pelo álcool é a singularidade do sujeito, verdadeiramente. A embriaguez não é simplesmente um beber movido por um hábito, vazio de sentido. Nela o sujeito morre como ser oprimido, castrado, cerceado, para renascer livre. Beber é, portanto, um rito. Um rito de passagem do homem acorrentado, amordaçado, para o homem liberto. E o lugar privilegiado para a execução deste rito é, indubitavelmente, o bar. Lugar onde o contexto de uma maior liberalidade incita a liberalidade do sujeito por meio do álcool.

No bar a imolação, ou melhor, o hecatombe se realiza no interior do próprio sujeito. Este, à medida que bebe, vai aos poucos sacrificando suas personas, construídas ao longo de uma vida para a convivência social no âmbito formal da vida, principalmente. Terminado o rito, findada a embriaguez, vinda a ressaca, o sujeito, agora renascido, pode novamente enfrentar a sociedade com suas forças renovadas. Até, pelo menos, a próxima hora feliz no bar.

A experiência com um fone de ouvido


Por A Cruz de Souza.

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Pretendo através do presente artigo alertar os bares vivendis sobre o risco de se ouvir música em fones de ouvido. Contudo, não falo do risco a saúde física apenas, como a diminuição gradual da acuidade auditiva. Clamo principalmente em razão do encolhimento da vivência. A miniaturização dos aparelhos e a competitividade dos preços de áudio portáteis em função do desenvolvimento tecnológico e o sua convergência para diversos outros aparelhos, como o celular, ocasionou uma explosão de vendas e o renascer de um hábito que parecia estar por morrer: o de ouvir música por meio de fones de ouvido em absolutamente qualquer lugar.

Forçosamente, o aparelho aniquila, no momento do seu uso, a audição do usuário e claramente afeta o seu comportamento. Deixa-se de contar com um importante aparelho sensorial que nos orienta, apreende e aprende o mundo ao nosso redor. A tão preciosa experiência como fonte fundamental e inesgotável de conhecimento é, sucessivamente, perdida, anulada, adiada jamais. A trilha sonora que emana no seu mundo idealizado torna o ouvinte um ser estéril entre os transeuntes abaloados em seus caminhares frenéticos e determinados. Nota-se sem dúvida uma exacerbação do individualismo e uma negação do outro, um se negar à ver. Portanto óculos escuros, fone de ouvido na orelha, boné cobrindo o rosto ou um capuz e, pronto, o indivíduo, por vontade própria, se converte em ser refratário a qualquer possibilidade de relação com o outro.

O que o indivíduo não se dá conta, porém, é que o melhor da vida e o próprio sentido dela são as relações, como mundo e com o outro. Só é possível pensar num eu em relação a um nós. Se isolado do mundo emergirá a questão: quem sou eu? Saberei quem sou e serei melhor se souber quem são os outros e o que é o mundo. Vivamos a experiência do mundo que se oferece!

Como ser simpático a todos

A Cruz de Souza

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Não só poetas são fingidores. Na vida podemos responder a interesses das pessoas de tal maneira que, na medida em que respondamos de forma correta, seremos aceitos. Trata-se de uma fórmula bastante conhecida e largamente utilizada a do ser afável. Contudo, o que é bom deve ser sempre lembrado. Vendedores e políticos são os que mais se beneficiam desta fórmula pela habilidade com que estes a manipulam. É preciso firmeza nos músculos da face para manter-se sempre agradável e alegre. Uma câimbra que seja pode comprometer toda a fórmula.

Para ser um sujeito aprazível é fundamental ser cortês e prazenteiro. Conquanto que se venha logo risonho. E que essa risada não seja por demais exagerada pra não parecer deboche. E que se seja simples, na medida. Uma apresentação em primeira instância sem mostrar os dentes o tornará um mal humorado e sério por demais para os outros. Mas não exagere, pois tolo é aquele que ri todo o tempo. Ao encontrar grupos de pessoas, a boa conduta pede que se cumprimente a todos, sem exceção. Saiba que aquele único sujeito que você não cumprimentar poderá lhe pesar mais tarde. Observe a vestimenta que deve ser sóbria, sem exageros.

Procure usar roupas independentes da moda. No entanto, em grupos inteirados com a moda vigente recomenda-se fazer o mesmo. O semblante deve estar fresco. Desde que não se exceda no frescor para não ser tomado por um vaidoso afetado, ou pior, uma bicha enrustida. Assim, barba e cabelo devem estar preferencialmente feitos ou então muito bem aparados. No diálogo, concorde com todos acredite em tudo e ria de todas as piadas. Argumento pouco, quase nada. Cuide, porém, para não deixar de argumentar algo para que não pareça um estúpido sem opinião que se deixa levar pelos outros como um barco que se entrega aos movimentos incertos das correntes marítimas. O elogio deve se prodigalizar a todos. Em momento algum permita o silêncio, rompendo-o no imediato instante em que ele se instale. A conversa não pode parar pois o silêncio é intolerável entre estranhos. Bem como é intolerável o sujeito calado. Temos, afinal, cinco sentidos, usemo-los, portanto. Assuntos suaves, que não provoquem divergências ideológicas são o ideal.

Prefira temas banais que gerem respostas uníssonas. Em refeições, beba e coma moderadamente. Querer-rás, pois, o epíteto de glutão? Certamente não. Quando de pouso em casa alheia, acorde cedo, mas também não madrugue para não acordar os outros. Jamais espere ser acordado. No caso de haver crianças por perto, considere que garotinhos impertinentes devem ser engolidos com doçura. Não mais, seja humilde, levemente curvado, porém, não medíocre. O humilde é admirado como valor do ser regrado, o medíocre não é tolerado pois é tomado como um incapaz. Mas, principalmente, tenha sempre o material fundamentalmente necessário para ser sempre simpático: Vaselina.